Tua Moreia Negra
As moreias negras são criaturas silenciosas que se camuflam nas cavernas dos oceanos mais profundos.
Quando ultrapassei a limiar que separa a superfície do que existe abaixo dela. Não tinha ideia da imensidão que existia, apenas uma sensação de que havia vida, ou melhor muitas vidas borbulhando nos precipícios do teu oceano.
Ainda quase avistando a saída, caudas de cavalos marinhos, águas vivas e peixes coloridos foram como o canto de uma sereia me conduzindo em direção ao teu reino profundo, onde não há mais volta.
Já habituado com os seres que habitavam teu oceano, ainda me intrigava aquele ser de olhos amarelos que se escondia por trás de cavernas rochosas.
Nenhum outro ser ousava se aproximar daquelas cavernas.
Quem moraria por lá?
Certa noite, movido pelo ímpeto de te conhecer me aproximei da caverna e encarei aqueles olhos amarelos ferozes como um animal selvagem a espreita esperando para atacar.
Ao mesmo tempo, incompreendido e recluso no silencio que te protege, eles não brilhavam, mas também não eram opacos. Eram lúcidos.
Me veio então o pensamento que aquela criatura não era maldosa, só estava intocada e desconfiada que alguém gostaria de conhecer ela.
Ela não era reluzente como os cavalos marinhos ou colorida como os peixes. Sua pele era sombreada com tons castanhos, áspera e até um pouco espinhosa. Era uma serpente das tuas águas.
Nadei em direção a ela, e sem pestanejar sua boca imensa com dentes pontiagudos tentou me afastar. Era ameaçador, mas ao mesmo tempo misterioso e instigante.
Todos os seres admiravam o evento que acontecia naquele instante. Alguém se atreveu encarar a moreia negra que vive sob as sombras.
Ao mesmo tempo que minha coragem era aplaudida por uns, outros zombavam da minha tolice e insanidade.
A moreia saiu da toca. Fiquei estático apenas contemplando a beleza peculiar que formava aquela criatura. Por um instante estava de braços abertos esperando ser devorado.
Fechei os olhos e joguei a chave das certezas e temores que me cercavam. Abri os braços e me pus vulnerável a espera do infortúnio que estava para acontecer.
A moreia não me devorou. Não me atacou. Ela envolveu todo o meu corpo e me carregou para o amago do teu oceano.
Ao seguir essa viagem, conheci a verdadeira luminosidade ainda que um tanto obscura. Senti gosto e cheiro de vida nua e crua.
Nadar no teu oceano não era mais uma aventura ingênua e alucinógena, mas um balanço que me deixou zonzo, ao passo, que me despertou e permitiu ver a cor das tuas águas e sentir a integridade da tua alma.
Quando ouvir que moreias desmoronam ilusões e fantasias, acredite é a mais pura e bela verdade.